Camões
nasceu do Canto que o criou
converteu-se
na poesia que escreveu
na corrente
melodiosa que amanheceu em si
de um jogo
de harmonia de ondas e de asas
e de uma
formosura descalça seminua como Vénus
apenas com
um cendal branco sobre a coroa carnal
O génio de Camões conhecia as centelhas de ouro
os lábios de
chamas dilacerantes
Ele cantou
com as mãos em sangue
e com
lágrimas de asas feridas
a maravilha
fatal da vida
da luminosa
música
de um amor
perdido de uma saudade inextinguível
Cantou a
pátria, a pátria do seu povo e do seu peito
dos
navegadores e dos amantes em palavras
de melodiosa
audácia de uma nostalgia pura
Dilacerante
e doce era o incêndio do seu amor
de acorde
deliciosos de claras mágoas
em que a
ferida de amor se transmudava
e se elevava
num grito redondo numa neblina azul
O seu amor era um claro incêndio de lágrimas e de chamas
como se a
música e o pranto jorrassem da mesma fonte
e os
contrários se unissem na identidade da água
em que o
poema se converte numa melodia de
ondas radiosas
de elementos
puros duma elegia no aroma de
dilacerante doçura
Camões está
vivo não por um prestígio dourado
mas pelo
claro fogo que deu uma vida nova à Língua
Portuguesa
e nunca recusou
à dor o direito de viver como um grito
e de a converter sem a trair sem a desfigurar
mediante a
transcendência da sua ascensão humana
ANTÓNIO
RAMOS ROSA
in "Os signos da amizade"
em tarde de Inverno