domingo, 4 de dezembro de 2011

o canto dos melros

Júlio Resende

«Dizia que perseguia
um sonho: pintar
o canto dos melros.»


Citação de Paulo Alves Guerra
Antena 2 (IS),
dia em que o pintor partiu.

*

«Pintou pombas, pessoas, cidades,
coisas insignificantes ou universais
com um traço quase juvenil e cores solares (...)»


Expresso 24.9.11

domingo, 2 de outubro de 2011

T e a t r o n a c i d a d e

Último sábado de verão, à noite.
Lotação esgotada, tal como havia acontecido na véspera.
O característico sinal sonoro avisa que o espectáculo vai começar.
Mas como!? Como é possível dar-se início, se o palco aparece, inexplicavelmente, ocupado por figurantes, técnicos (e actores!?), esmerando-se nos últimos retoques do cenário.
Estranho! Mas, ao mesmo tempo pensámos “Aqui há, com certeza, o dedo inovador do encenador!De facto, pouco tempo depois, quando o narrador fez uma breve introdução à história a que iríamos assistir, percebemos, então, a importância daquela inusitada azáfama inicial, que, a meu ver, correspondeu a uma bem conseguida primeira cena.
Ainda bem que assim foi, porque, a partir daí tudo ficou mais claro na história a que assistiríamos.
A peça é o romance trágico de Camille, uma jovem que abandona o convento e reencontra, na sua terra natal, o primo Perdican, “acabadinho” de chegar da universidade, munido do respectivo “canudo”.
Sob o título “Não se brinca com o amor” , este drama foi escrito pelo dramaturgo Alfred de Musset em 1834, período em que conhece uma verdadeira mulher: George Sand.
Um dos mais belos clássicos de sempre que retrata figuras verdadeiramente intemporais. Contém uma crítica mordaz aos costumes sociais da época, mas que nos parece actualíssima.
Devo dizer que me fez lembrar as récitas escolares dos tempos de estudante. Um espanto!
O encenador Jorge da Silva Melo “pôs de pé” uma excelente obra de arte que nos reporta às origens do teatro.
Grato à companhia dos Artistas Unidos pelos jovens actores [Catarina Wallenstein, Elmano Sancho, Vânia rodrigues, etc.] que desempenharam excelentemente o seu papel. E parabéns ao Teatro Viriato pela estreia absoluta em Portugal!
Gostaria de destacar alguns actores, mas, pensando melhor, julgo que seria injusto estabelecer qualquer hierarquia. Sobressaiu o conjunto.
Faz sentido falar em bom teatro na “província”?

quinta-feira, 17 de março de 2011

O milagre da música

Sexta-feira, final da tarde, no conservatório tem início mais uma audição de classe de piano.
O tempo ali pára. E o espaço transforma-se num oásis de quietude que nos proporciona uma paz espiritual, bem longe do reboliço que, àquela hora, se vive na cidade.
Os dois filhos integram a lista dos alunos que se perfilam para prestar provas.
Os pais estão mais nervosos que os prórios "rebentos".
O desfile começa. As intervenções, todas sem excepção, são seguidas pelos progenitores e familiares com a máxima atenção. Os aplausos, que ali nunca se regateiam, servem, por vezes, para camuflar a enorme camada de nervos que se vai avolumando, à medida que cada pai vê aproximar-se a vez do seu filhote. Foi sempre assim. Por mais que se lute contra o nervosismo, de nada vale.
O primeiro, 22º da lista [de entre trinta e seis alunos de todos os níveis] entra em campo. O progenitor liga a câmara improvisada do telemóvel. O som cristalino ecoa na sala. "Invenção nº 15, em Si Menor" de Bach; impecável actuação e, no final, uma grande salva de palmas.
Meia hora depois, o mais velho, 34º, entra em cena. Os primeiros acordes ecoam na sala. "Clair de la lune", sonata op. 27 nº 2 - 1º andamento, de Beethoven. A timidez inicial rapidamente dá lugar a uma fluente interpretação que tira do piano um belíssimo som.
A música inunda o auditório e invade-nos a alma. A emoção do momento toma conta da plateia. Num ápice, surge uma corrente invisível que nos prende uns aos aos outros, inebriados pela beleza que só a música pode proporcionar.
Piano, intérprete e plateia, em perfeita sintonia, de tal modo unidos que parecem uma coisa só! Que são uma coisa só!
Até os nervos com o receio de alguma nota mal tocada desaparecem e dão lugar a uma explosão de alegria interior.
A actuação chega ao fim e é muito aplaudida.
Uma mãe dizia no final: "tocou-me... tive que fazer força para aguentar... e não ir abaixo!"
Histórica audição! Um milagre, só ao alcance da Música!